Pela travessia de um longo caminho

Publié le : 22 avril 2021

Penso a missão no Brasil refletida a partir da leitura do texto João 6,1-15. Jesus descia à margem do mar da Galileia e foi interrompido pela multidão que o seguia.

Cada qual trazia em si desejos diferentes, mas todos queriam algo que suprisse suas necessidades. No mundo hoje, vivemos a perda dos valores evangélicos em meio a tanta mentira, ganância, individualismo, prepotência, divisão e indiferença. Nisso, torna-se urgente a afirmação do Evangelho carregado de Humanidade, afeto, acolhimento e compaixão. Dada a missão de pregadores, somos convocadas para esse anúncio de sentido à vida e fidelidade. Viver segunda às inspirações do Espírito de Deus que ilumina a fé e capacita as ações, determinando-as para o bem comum.
No seu tempo, Domingos vendeu suas riquezas para alimentar os pobres. O relato de seu engajamento nos recorda : “Não posso estudar em peles mortas, enquanto homens morrem de fome e frio...”. Aqui no Brasil e no mundo inteiro, a situação da pobreza e da miséria retorna gravemente. Há milhares de pessoas que perderam todos os seus bens materiais e a própria VIDA. O cuidado de promover a igualdade e a dignidade das pessoas tem sido o nosso desafio cotidiano da missão.
O número crescente de mortos no país, a negligência por parte dos políticos e a falta de compromisso com os brasileiros permite o caos incontrolável até o momento presente. Diante o quadro de tantas mortes inoportunas, a pregação implica atitudes de Esperança, Misericórdia, Afeto, Justiça e Denúncia. A tarefa missionária é um exercício diário para a defesa da vida dos moradores em situação de rua ; ir contra as ordens de despejos injustos ; garantir assistência ao aumento de desempregados ; e tantas outras denúncias e prejuízos aos indígenas, sem teto, sem-terra. Essa multidão segue Jesus. Eles estão desesperados e desesperançados, pois desejam um alívio para as dores e perdas. A compaixão de Jesus nos ensina a aproximação do olhar para escuta e cuidado. Ele convida, “falem para o povo sentar”, e depois pede ao Pai o dom da partilha. A exemplo dessa pregação de Jesus, direcionamos compassivamente as ações na vida do povo.
A exemplo de Domingos, seguimos com algumas iniciativas de missão itinerante que são propostas e aplicadas, no intuito de socorrer e amenizar a situação das pessoas vulneráveis, especialmente na vida dos mais pobres.

O Lugar do Acolhimento : As pessoas viram o sinal e disseram “Este é mesmo o Profeta que devia vir ao mundo” (Jo. 6, 14). O acolhimento é algo extremante exigente, pois mexe com nossos sentimentos e provoca uma mudança interior. Leva-nos onde não desejamos ir. Lidamos com o diferente num desafio que nos desinstala e nos convida a colocar-se no lugar do outro. Traçar uma pregação a partir do acolhimento é criar um novo jeito de acolher os excluídos da nossa sociedade. Estes, considerados “importunos, que agridem os olhos” e nos coloca no lugar de um morador em situação de rua, de uma mulher negra, de um estrangeiro, de um grupo indígena ou de um sem-terra. A tarefa não é muito difícil.
Ainda, a pregação pelo caminho do acolhimento começa em cada uma de nós, pois só quem saber acolher a si mesma é capaz de acolher o outro. Jesus acolhe a multidão a partir das suas necessidades e não da Sua necessidade. Ele vê e acolhe, e em recompensa, Ele é reconhecido como profeta da hora e do momento. A verdadeira pregação deve estar atenta a hora e o momento. Nessa urgência, encontramos o olhar das pessoas que nos procuram a cada instante. Na busca da cura, no desejo de escuta, na necessidade de acabar com a fome ou algo mais. A missão de acolhimento que se inicia em cada uma de nós, é também questionamento e transformação de nossa vivencia fraterna. Por isso, o lugar do acolhimento é também lugar de escolha, pode-se colocar em que medida a preocupação pelos sofrimentos alheios acolhe as necessidades do imediato exterior e as necessidades próprias. Como podemos linear esse lugar em nós ?
O Lugar ecológico : “Subiu a montanha e sentou-se aí com seus discípulos” (Jo.6,3). O lugar ecológico neste texto tem vários eixos de reflexões. Jesus não é superior às pessoas que o procura. “Sentou-se” ! O sentar-se torna-o na mesma altura de igualdade com aqueles que precisam de cura, de comida e de afeto. A Montanha é o lugar ecológico que convida a retirar-nos da planície para um horizonte mais largo, e com possibilidades de enxergar mais longe. Hoje, a nossa pregação possui a dimensão abrangente do universo, toda a criação de Deus. O Planeta Terra clama por compaixão, é toda a Casa Comum precisando de cuidado. A exemplo de São Domingos nas estradas de Fanjeaux, o caminhar passo a passo, nos abrirá aos horizontes nunca vistos, alargará o coração numa dimensão espiritual, afetiva e humana. E a partir de um olhar planetário, os nossos pés farão caminhos em direção certa !
Diante da degradação da Terra, a denúncia é pautada na agonia do nosso planeta que morre aos poucos pela exploração das grandes indústrias e agronomia capitalista que engole os pequenos produtores ; as modificações dos grãos e os incêndios no solo para diminuir a mão de obra barata, além da contaminação dos rios. As pequenas iniciativas resultam, juntas, “como as formigas”. Aspiramos àquilo que somos capazes de fazer juntas. Dar sentido à pregação através do grito ecológico que ressoa por todos os ares.

O Lugar da Partilha e compaixão : Jesus disse : “Onde vamos comprar pão para eles ? Aqui há um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixes” (Jo 6,5 – 9). Sem margem de erro, Jesus nos coloca na encruzilhada da vida. Aqui esbarramos na questão da vida e da morte que solta a nossos olhos no concreto da existência humana. “ Eu tive fome e me deste de comer” (Mt. 25) ! Que pregação oferecemos para aqueles que estão de barriga vazia ? Que pão ofertar para milhares de pessoas que têm fome ? Jesus nos ajuda a entrar numa dinâmica da partilha, do afeto, da sensibilidade. Ensina-nos a colocar em comum o que temos de melhor naquele “rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixes”. Quando colocamos tudo que temos em comum, passamos a ser geradoras de vida nova, de alegria, de compaixão. Quando somos capazes de oferecer o que temos ganhamos um novo vigor e nossa vida transforma-se num potencial de solidariedade, de comunhão e integração com os outros.
A vida partilhada nos permite vivenciar a compaixão e nos move a buscar o sentido de nossa própria existência. Numa sequência dinâmica, a pessoa persegue um horizonte, abre-se a uma causa mobilizadora. Nisso, a pregação torna-se com sabor do pão compartilhado, da compaixão comprometida e do amor autêntico. No impulso, vê-se o próprio Cristo no Pão Partilhado. Da nossa compaixão vivida como serviço e missão, torna-se a capacidade de situar-se no lugar do outro, de sentir e sofrer com eles as dores provocadas pela ausência e descaso de políticas públicas no país. Do nosso estranhamento frente ao sofrimento do outro, produzimos em nós uma ajuda eficaz, capaz de devolver ao outro sua história e seu protagonismo. A compaixão é a maior dimensão da nossa natureza humana. Essa requer uma sensibilidade pura e um afeto leve e livre para poder “vibrar” com o outro. É necessário que nossa sensibilidade seja repleta do calor humano, da humanização e da liberdade incondicional e, ambos a sentir-se harmonizados na pessoa humana. Preencher-se da dimensão amorosa e compassiva do amor de Deus, ajustada na proposta de Jesus Cristo que é a justiça e a paz. E querer que as pessoas sejam protagonistas de sua própria história. A compaixão brota em nós pela humanização, da profundidade de existência em nós para ajudar os outros.
O Lugar da sobra : “Quando ficaram satisfeitos... Recolham os pedaços que sobraram para não se desperdiçar nada” (Jo. 6,12). E ainda sobraram pães e peixes ! Aqui está o grande eixo de evangelho, não existe partilha sem sobra. Podemos fazer a memória de todas as confraternizações que já participamos em nossa vida. A dinâmica de Jesus é nos alertar dessa sobra que não nos pertence. Ela pertence a outros que não estão em nosso convívio. Devemos alargar nossa mente e coração aos outros que não estão presente na partilha. São aqueles da pobreza, hoje vivem na miséria. Devemos sair-lhes ao encontro repartindo com eles as sobras. Ir aos lugares onde ninguém chegou ou tem medo de chegar.
Enfim, que nossa pregação possa alcançar estes lugares onde o Cristo encontra-se escondido nas sobras da nossa sociedade. E, desse lugar do desencanto, da amargura e do medo tornar um terreno fértil para o sopro de Vida, da Luz, da Amorosidade, da Esperança, do Calor Humano e da Ternura do Deus da Vida.